O que são os Fundos de Investimentos
A Lei nº 13.874/2019, popularmente conhecida como “Lei da Liberdade Econômica”, previu a inclusão dos artigos 1.368-C, 1.368-D, 1.368-E e 1.368-F ao Código Civil de 2002, que trouxeram a regulamentação dos fundos de investimentos.
Segundo a norma, fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído como uma forma de condomínio especial, para aplicar ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza.
Com efeito, a lei chamou de condomínio especial, pois afirma que não se aplicam aos fundos de investimentos os arts. 1.314 ao 1.358-A do Código Civil, que regulamentam, basicamente, os condomínios em geral, por lotes e edilícios, ou seja, relacionados a bens imóveis.
Além disso, o novo art. 1.368-C, em seu § 2º, estipula que o restante da regulamentação dos fundos de investimentos será feito pela Comissão de Valores Mobiliários, ou CVM, a qual, atualmente, possui a Instrução Normativa nº 555, tratando dos fundos de investimento em geral, e muitas outras tratando das espécies de fundos, como a de nº 472, que regulamenta os fundos de investimentos imobiliários.
Assim, fundos de investimento são um condomínio, composto por um patrimônio, que pode ser de bens, valores mobiliários, dinheiro, dentre outros. O referido patrimônio, por sua vez, é formado pela contribuição de pessoas diversas, o qual deve ser negociado, a fim de trazer lucro para os seus condôminos.
No caso dos fundos imobiliários, estes são donos de imóveis e, com o lucro aferido pela negociação dos bens, há o retorno dos acionistas que eventualmente investirem no condomínio.
Isto é, imagine, a título de exemplo, que você e outras duas pessoas são proprietárias de uma máquina de churros, em partes iguais. Ao locar essa máquina para eventos, o rendimento é igualmente repartido entre os donos. É por essa lógica que operam os fundos de investimentos, obedecidas, claro, suas normas características.
Há, ainda, uma outra classificação importante para entender os fundos de investimentos, qual seja, identificar se é um fundo aberto ou fechado.
O último se caracteriza por não permitir a livre movimentação de seus quotistas, funcionando, em regra, com um prazo determinado de operação. O aberto, por sua vez, autoriza a entrada e a saída de investidores participantes a qualquer momento, além de viabilizar o aumento de participação por meio da compra de novas quotas.
Para entender um pouco na prática como funcionam os fundos de investimentos, recomenda-se o filme A Grande Aposta (no original, The Big Short), que retrata o contexto do mercado financeiro e da economia americana do qual decorreu a grande quebra na bolsa de valores de 2008.
Na obra, a personagem Michael J. Burry, dono de um fundo de investimento, identifica a falência do mercado imobiliário, passando a investir vultosas quantias de dinheiro em resultados negativos do setor.
Ocorre que o mercado imobiliário era um setor estável da economia americana, sendo a aposta da personagem algo desacreditado, inclusive pelos seus acionistas, que começaram a pressioná-lo por retornos.
O setor de imóveis, no entanto, efetivamente quebra, gerando um grande retorno para os investidores de Michael J. Burry.
No Brasil, os fundos de investimento surgem na metade do século passado, com a constituição do Valéria Primeira, do grupo Deltec, em 1952. Deste, seguiu-se o Fundo Brasil e o fundo Crescinco, dos grupos Rockefeller e Deltec.
No entanto, apenas em 1965 se iniciou a regulamentação dos fundos de investimentos, com a lei nº 4.728/65. A primeira resolução do Banco Central do Brasil, de nº 145, foi mais específica, discriminando uma forma semelhante a atual de constituição dos fundos.
A complexidade cada vez maior da economia e dos negócios, com o desenvolvimento da tecnologia, ocasionou a edições de inúmeras novas resoluções administrativas e inovações legislativas, além da proliferação dos fundos, implicando as novas previsões da Lei da Liberdade Econômica, analisadas a seguir.
O contexto atual da vida financeira dos brasileiros
Antes de falarmos diretamente das disposições da nova lei, faz-se importante destacar a ampla relevância de se conhecer mais da atividade e da regulamentação dos fundos de investimentos pelo direito brasileiro.
De fato, a importância do tema descende tanto da nova legislação, como do aumento significativo de brasileiros que têm procurado a bolsa de valores e negócios alternativos para investir.
O investimento em ações negociadas na bolsa de valores Bovespa, brasileira, tornou-se mais atrativo recentemente, em razão da queda dos juros e da possibilidade de altos retornos.
Além disso, com a diminuição do risco país e o aumento da procura das empresas nacionais por investidores estrangeiros, a economia tem, ainda que lentamente, aquecido-se, gerando maiores lucros para aqueles que decidem alocar parte de seus retornos em empresas que negociam suas ações na bolsa.
Assim, como boa parte dos fundos de investimentos têm suas ações negociadas na Bovespa, é de se esperar que a procura por tal espécie de investimento aumente, ainda mais agora, com mais segurança jurídica atribuída pela Lei da Liberdade Econômica.
Cumpre mencionar, também, que, mesmo os fundos que não são têm suas ações negociadas em bolsa, mas permitem o acesso de clientes desde que haja o aporte de uma determinada quantia, têm sido mais procurado pelos brasileiros, no momento em que elaboram sua carteira de investimentos.
Com efeito, o aumento de preocupação com a saúde financeira das famílias, decorrente, principalmente, da crise econômica e do superendividamento de grande parcela da população, fez que mais e mais brasileiros estudassem formas alternativas de investir.
O descontentamento com as formas tradicionais, como a poupança e a dívida do Tesouro, seja pela baixa dos juros, seja pela inflação, fatores que corroem a rentabilidade destas espécies de investimento, tem feito com que os fundos de investimento, ainda que fora da Bovespa, tornem-se opções vantajosas, e famosas entre as famílias brasileiras, com tendência a crescer ainda mais em demanda.
Diante disso, é clara a importância da temática, devendo os investidores estarem cada vez mais atentos para a regulamentação dos fundos de investimentos, para que tenham mais informações para tomar a decisão correta no momento de alocar seus recursos.
No mesmo sentido, os fundos de investimentos e instituições detentoras de fundos devem estar atentas às suas obrigações legais, a fim de evitar descumprimentos que acarretem indenizações e prejuízos aos seus condôminos.
A regulamentação dos fundos de investimentos antes da Lei da Liberdade Econômica
Antes da regulamentação dos fundos de investimentos pela Lei da Liberdade Econômica, não existia uma lei específica que disciplinasse esse tipo de negócio.
Por isso, os fundos se regiam pelas resoluções do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários. Esta, buscando unificar a regulação, publicou a instrução nº 409, que foi posteriormente substituída pela Instrução Normativa nº 555/2014, que traz apenas prescrições gerais e enumera os fundos abertos.
Os fundos fechados, por sua vez, são bastante variados e têm regulações específicas pela CVM. Por exemplo, os fundos imobiliários são regidos pela instrução nº 472, enquanto que os fundos de investimentos em direitos creditórios são disciplinados pela instrução nº 356.
A instrução normativa nº 555 é um longo texto, com mais de 150 artigos, a qual, apesar de não possuir a mesma força normativa de uma lei, era amplamente observada nos tribunais, quando se propunham a resolver litígios envolvendo a regulamentação dos fundos de investimentos.
No entanto, apesar da referida norma não prever a responsabilidade objetiva dos fundos e seus administradores por prejuízos decorrentes de sua atuação, era comum que tais negócios fossem condenados por resultados negativos em seus investimentos, sem que houvesse qualquer demonstração de culpa ou dolo, ou seja, reconhecendo objetiva a responsabilidade, com base no Código de Defesa do Consumidor.
Ademais, o processo de registro era bastante complexo e custoso, sendo necessário que, inicialmente, os fundos de investimentos publicassem seu regulamento no cartório de títulos e documentos, e, após isso, procurassem a CVM para a finalização do registro.
Destaca-se, ainda, que, se fosse eventualmente contratado um gestor para auxiliar o administrador na tomada de decisões referentes aos investimentos dos fundos, era obrigada a previsão de responsabilidade solidária entre eles, além de terem de responder perante a CVM, pela via administrativa.
Como ficou a regulamentação dos fundos de investimentos com a Lei da Liberdade Econômica
Como é sabido, a Lei da Liberdade Econômica foi publicada com o intuito de desburocratizar a atividade empresarial no Brasil, facilitando a atuação dos empreendedores e buscando o aquecimento da economia nacional.
No setor dos fundos de investimentos, além de incentivar a procura por essa espécie de investimento, o legislador brasileiro buscou trazer mais segurança jurídica aos que optam por destinar recursos a estas atividades, abalada pelas divergências entre as resoluções da CVM e a jurisprudência.
De fato, logo no § 3º do art. 1.368-C, criado pela Lei da Liberdade Econômica, afastou-se a necessidade de publicar os regulamentos do fundo de investimento no cartório de títulos, determinando ser suficiente para garantir a publicidade de tais condomínios a oponibilidade a terceiros o registro perante a CVM.
Além disso, o art. 1.368-D trouxe uma série de faculdades que os criadores de fundos podem optar, ou não, no momento de sua constituição. Por exemplo, agora é possível que o regulamento de um fundo de investimento preveja:
a) limitação da responsabilidade de cada investidor ao valor de suas cotas, blindando-o em caso de prejuízo da atividade;
b) limitação da responsabilidade dos prestadores de serviço, perante o condomínio e entre si, ao cumprimento dos deveres particulares de cada um, sem solidariedade;
c) criação de classes de cotas com direitos e obrigações distintos, com patrimônio segregado para cada uma delas, que só responderá por obrigações relacionadas à classe determinada.
O mencionado artigo previu, ainda, que a adoção de responsabilidade limitada por fundo constituído sem a limitação somente abrangerá os fatos ocorridos após a mudança no regulamento.
Isto é, tendo o fundo de investimento aplicado responsabilidade limitada de seus investidores a partir do dia 12/11/2019, os atos praticados até 11/11/2019 não estarão cobertos pela mudança, podendo um investidor pagar valor superior ao de sua cota por prejuízos do condomínio.
Também foi prevista que a responsabilidade dos prestadores de serviços (gestores, administradores e consultores, por exemplo) deverá levar em consideração os riscos inerentes ao setor e a natureza de obrigação de meio desta espécie de serviço.
Nesse contexto, fica expressamente determinado que a responsabilidade destes é de, somente, aplicar os meios necessários para atingir o objetivo esperado, qual seja, o lucro. Assim, não há que se falar em dever de indenizar os investidores, caso não seja comprovada a culpa ou o dolo na tomada de decisões que implicaram o prejuízo.
No art. 1.368-E, aborda-se a responsabilidade direta dos fundos de investimento, além do procedimento devido para o caso em que o condomínio não ser mais capaz de adimplir com as suas obrigações.
Assim, os fundos devem responder diretamente pelas obrigações legais e contratuais por eles assumidas, estando excluídos destas os prestadores de serviço, salvo quando agirem com dolo ou má-fé.
Isto é, nem mesmo a conduta culposa é capaz de atrair a responsabilidade dos gestores, administradores e consultores pelas obrigações assumidas diretamente pelo fundo.
Ademais, se, eventualmente, o fundo de investimento que tenha previsto responsabilidade limitada aos seus investidores não tiver patrimônio para adimplir com suas dívidas, será submetido ao procedimento de insolvência civil, e não ao de recuperação e falência, da lei nº 11.101/05, apesar desta espécie de investimento se assemelhar bastante às atividades empresariais.
A insolvência dos fundos de investimentos pode ser requerida, no Poder Judiciário, por credores, por deliberação dos próprios cotistas, ou pela Comissão de Valores Mobiliários.
Por fim, o fundo de investimento constituído por lei específica, e com regulamentação própria pela CVM, deverá, no que couber, seguir as determinações dos arts. 1.368-C, 1.368-D, 1.368-E e 1.368-F do Código Civil de 2002.
Conclui-se, então, que as alterações feitas pela Lei da Liberdade Econômica se constituíram verdadeiro marco regulatório, renovando a regulamentação dos fundos de investimento no país, devendo serem observadas por todas as espécies já criadas e que venham a ser inventadas, ainda que subsidiariamente, conferindo segurança e uniformidade a este tipo de negócio.
O que uma boa assessoria jurídica pode fazer por você?
O aumento pela procura de espécies de investimentos alternativas e o aquecimento da bolsa de valores brasileira são indicadores de que a demanda por fundos de investimentos tende a crescer significativamente nos próximos anos.
Em suporte a isso, a Lei da Liberdade Econômica previu verdadeiro marco regulatório de tal atividade, inovando a regulamentação dos fundos de investimentos, devendo ser observada sempre que possível.
Nesse contexto, uma boa assessoria jurídica pode tanto ajudar os investidores a analisar os riscos de se investir em determinado fundo, a partir da análise da sua regulação pela CVM e de seus regulamentos internos, como indicar como os fundos podem se adequar ao novo marco regulatório, evitando riscos e prejuízos.
Caso tenha restado alguma dúvida sobre o tema, procure um bom advogado, ou, se preferir, entre em contato conosco!
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