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Pejotização e MEI: flexibilidade empresarial e seus riscos

Escrito por CHC Advocacia

A pejotização, termo que se refere à prática de contratação de serviços por meio de pessoas jurídicas em vez de contratos de trabalho formais, é um fenômeno que desperta discussões sobre direitos trabalhistas, precarização do trabalho e flexibilidade das relações laborais. 

Esta modalidade de contratação, adotada por empresas de diversos setores, visa frequentemente a redução de custos por meio da contratação de um MEI.

No entanto, ela revisita questões complexas sobre a proteção dos trabalhadores e a conformidade com a legislação vigente.

Em meio a essa dinâmica, o Microempreendedor Individual (MEI) surge como uma figura de destaque. Criado em 2009 para formalizar trabalhadores autônomos e pequenos empreendedores, o MEI oferece uma simplificação burocrática, promovendo segurança e benefícios a essa classe. 

A atuação dos microempreendedores individuais impacta diretamente a economia brasileira. Para se ter uma ideia, verificou-se a abertura de quase 3 milhões de MEIs em 2023, o que representou 73,6% das empresas abertas no ano em questão. 

Entretanto, o sucesso do MEI no Brasil trouxe questionamentos sobre os seus limites legais, haja vista que a prática de manter uma relação trabalhista com uma pessoa jurídica, para se eximir de arcar com obrigações previstas na CLT, como contribuições previdenciárias, FGTS, 13º salário, terço de férias, tem sido comum. 

É diante desse cenário que vamos esclarecer para você o que é a pejotização e quais os impactos que essa prática pode ocasionar. Então, continue aqui com a gente. 

O que é a pejotização?

O termo pejotização tem origem da sigla de PJ ou pessoa jurídica. Logo, esse termo dá significado à prática de contratação de trabalhadores por meio de pessoas jurídicas (PJs) em vez de contratos de trabalho formais, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 

Nessa prática, em vez de contratar um funcionário como pessoa física, a empresa estabelece uma relação contratual com uma empresa individual criada pelo trabalhador, que muitas vezes é um Microempreendedor Individual (MEI). 

Em uma relação empregatícia são necessários o pagamento de vários encargos trabalhistas, que vão além do salário do empregado, como: recolhimento de FGTS, 13° salário, aviso prévio, férias, dentre outros. Porém, quando há celebração de um contrato entre pessoas jurídicas, ou seja, duas empresas, o único valor a ser pago será o da prestação de serviço.

Muitas empresas optam pela terceirização da execução de certas atividades, como uma estratégia de otimização do trabalho e de redução de custos. 

Vale esclarecer que a terceirização pode ser entendida como a transferência feita pelo contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive a transferência da execução do core business da empresa, ou seja, a atividade principal. 

Essa prática é regida pela Lei 6.019/1974, afastando a antiga distinção feita pela Súmula 331, inciso III, do TST, que vedava a transferência da execução da atividade-fim da empresa. 

Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) já entendeu ser lícita a terceirização de pessoa jurídica. 

Como você pode ver, terceirizar uma pessoa jurídica para exercer certa atividade da sua empresa não é errado e, pelo contrário, é até indicado em algumas situações, quando o assunto é reduzir despesas. 

O problema acontece quando essa contratação de pessoa jurídica para prestar serviços é feita apenas “de fachada” e, na prática, há uma relação de trabalho entre a PJ e o contratante. 

Assim, em que pese o STF ter se manifestado favoravelmente à terceirização de serviços, inclusive de atividade fim, tal fato não obsta o reconhecimento do vínculo empregatício quando verificada fraude na contratação do trabalhador.

Imagine a seguinte situação: uma empresa precisava contratar alguém para prestar serviços especializados em tecnologia, mas não estava disposta a pagar os direitos trabalhistas garantidos pela CLT, pois isso iria sair do orçamento. 

Então, a empresa decidiu contratar uma PJ, por meio de um contrato de prestação de serviços, para executar essa atividade. 

Até esse momento, estava tudo legal, à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Porém, a PJ contratada tinha que executar o serviço em um horário pré determinado, ou seja, o expediente era fixado, inclusive com intervalo de almoço. 

Além disso, a PJ contratada estava sujeita às ordens e às diretrizes da contratante, tendo, ainda, submissão disciplinar e o comando para executar as atividades nas dependências físicas da empresa.  

Nesse exemplo, é possível identificar na relação da contratação da PJ características típicas da relação trabalhista, configurando, assim, a pejotização. 

Dessa forma, a pejotização pode ser conceituada como a descaracterização do contrato de prestação de serviços, constatando o intuito de precarizar a relação de trabalho e se esquivar de arcar com o pagamento dos encargos trabalhistas,  por meio da constituição de pessoa jurídica para exercer atividades mediante típico vínculo empregatício. 

Assim, é necessário estar atento aos requisitos caracterizadores da relação de emprego, para identificar a configuração ou não da pejotização. 

Quais são os requisitos para uma relação de emprego?

Os requisitos caracterizadores da relação de emprego são extraídos dos artigos 2º e 3º da CLT e podem ser elencados em: não eventualidade, subordinação jurídica, onerosidade e pessoalidade. 

Pode-se verificar a não eventualidade quando o contratado PJ, apesar do vínculo ser de prestador de serviços, é obrigado a exercer a atividade de forma habitual e contínua, ou seja, há a presença de jornada de trabalho, por exemplo, de segunda a sexta-feira, das 09h00 às 17h00.

Ressalta-se que essa eventualidade não necessariamente precisa ser diária. Exemplificando, pode ser caracterizada a não eventualidade com a presença de habitualidade quinzenal ou mensal.

É importante ressaltar que a eventualidade também pode ser caracterizada pela teoria dos fins do empreendimento: se o serviço contratado for essencial à prestação de serviços da contratante, pode-se configurar a não eventualidade, pois o serviço é necessário.

A subordinação se caracteriza com a sujeição do contratado PJ às ordens dadas pelo contratante. Identifica-se, então, pela submissão direta, habitual e reiterada do trabalhador aos poderes diretivo, regulamentar e disciplinar da empresa contratante.

Pode-se exemplificar como a cobrança reiterada de metas e objetivos, fiscalização do horário de trabalho e aplicação de punições caso o contratado não seja observado. 

O requisito da onerosidade prevê que deve haver uma contraprestação financeira aos serviços prestados e o requisito da pessoalidade estabelece que somente o empregado pode prestar o serviço contratado. 

Portanto, com a presença desses requisitos na relação entre o contratante e a PJ, é possível reconhecer o vínculo empregatício na Justiça do Trabalho. 

Além disso, a ausência de exclusividade não é um obstáculo à configuração da relação de emprego, visto que este não é requisito da relação empregatícia, mas, apenas, eventualmente, uma cláusula contratual.

Destaque-se, ainda, que a intenção das partes não interfere no reconhecimento do vínculo e o simples fato de o trabalhador, ainda que ciente das implicações, ter aceitado, no ato da admissão, as condições que lhe foram impostas, por si só, não é suficiente para desnaturar o contrato de emprego.

Portanto, as relações jurídicas são definidas e conceituadas pelo seu conteúdo real. Independente do rótulo atribuído pelos contratantes, se forem demonstrados os requisitos aqui expostos, impõe-se o reconhecimento da relação de emprego, uma vez que essa se perfaz independentemente da vontade das partes.

A figura do MEI

O MEI foi instituído oficialmente pela Lei Complementar nº 128/2008, visando facilitar a formalização das atividades dos profissionais autônomos.

Para usufruir dos diversos benefícios garantidos por esse regime, o empreendedor deve exercer alguma das atividades permitidas que constam na lista da Receita Federal. 

Dessa forma, nem todos podem se tornar um MEI: quem exerce atividades intelectuais, como advogados, médicos, nutricionistas, dentistas, contadores e engenheiros, não podem exercer esse regime.

Apenas a título exemplificativo, dentre as centenas de atividades permitidas para o enquadramento como MEI, estão: lanchonetes; cabeleireiro, pedicure, manicure, comércio varejista de artigos de vestuário e acessórios, serviços de instalação e manutenção elétrica, dentre outros. 

Além disso, ainda que exerça uma dessas atividades, para se enquadrar como MEI, o empreendedor não poderá ter sócios no negócio que está sendo aberto, ter outra empresa aberta em seu nome ou participar de outro negócio, seja como sócio, seja como administrador.

Outra observação importante é que o faturamento anual do MEI é limitado, que, atualmente, corresponde a R$ 81 mil, o que dá uma média de R$ 6.750 por mês. Caso a empresa tenha menos de 12 meses de funcionamento, o limite será proporcional à quantidade de meses de atividade.

Dessa forma, caso o Microempreendedor Individual ultrapasse este teto, será obrigado a migrar para outro regime, como, por exemplo, Microempresa (ME) ou EPP (Empresa de Pequeno Porte).

Responsabilização do MEI na figura da  pejotização

Tirar da informalidade muitas categorias de profissionais autônomos que não tinham acesso a diversos benefícios foi o principal impacto positivo do surgimento da figura do MEI no Brasil.

A partir da criação do regime do MEI, esses profissionais informais agora poderiam usufruir de vantagens previdenciárias e tributárias, além de outros benefícios. 

Outra vantagem garantida para o MEI é a facilidade de formalizar e adquirir um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). 

Entretanto, essa vantagem específica gera indiretamente um efeito colateral no mercado: a facilidade de realizar a prática da pejotização. 

Diante disso, muitas empresas com o intuito de fraudar o vínculo empregatício, condicionam a contratação do interessado na vaga à abertura de CNPJ pela modalidade MEI, de maneira que, firmando o contrato com a empresa prestadora de serviços, e não com a pessoa física, a tomadora esteja isenta das obrigações trabalhistas garantidas pela CLT.

Outra estratégia, que também está presente no âmbito da pejotização, utilizada pelos empregadores para tornar a contratação mais barata é a de dispensar um empregado com registro em carteira e induzi-lo a constituir CNPJ pelo uso da modalidade MEI, para recontratá-lo por meio de um contrato de prestação de serviços. 

Em ambos os casos, o intuito da empresa contratante é se eximir de arcar com encargos previdenciários e trabalhistas garantidos pela relação de trabalho, para, com isso, economizar na contratação. Assim, a facilidade garantida pela modalidade MEI de abrir um CNPJ impactou bastante essa prática fraudulenta. 

Presente os requisitos caracterizadores da relação de emprego, o trabalhador prejudicado pode buscar o reconhecimento do vínculo empregatício na Justiça do Trabalho. 

Caso o juiz reconheça a existência da relação de trabalho, o empregador que fraudou o contrato de trabalho pode ser condenado ao pagamento de décimo terceiro, férias acrescidas de 1/3 e FGTS, referentes ao período laborado. 

Além disso, importante destacar que caso haja “demissão” do MEI contratado pela prática da pejotização, o contratante pode ser condenado ao pagamento de verbas rescisórias. 

Dessa forma, em consequência do reconhecimento do vínculo empregatício, pode ser declarado inadimplemento das verbas rescisórias, situação que acarreta, também, a aplicação da multa do artigo 477, § 8º, da CLT.

Outra consequência negativa ao empregador que contratou por pejotização seria uma possível indenização por danos morais. Alguns tribunais reconhecem que em razão da ausência de registro do contrato de trabalho na CTPS do contratado, bem como pela consequente falta de pagamento dos direitos dele decorrentes, demonstra a existência de abalo de ordem moral. 

Ademais, em alguns casos, o empregador que se utilizou da pejotização para contratar pode ser condenado, também, ao pagamento de horas extras, reconhecida a habitualidade da prestação do serviço e considerando a natureza salarial das parcelas de contraprestação. 

Destaca-se, ainda, que a Justiça do Trabalho atua somente para resolver o conflito de interesse relacionado aos aspectos financeiros que estão sendo discutidos pela prática da pejotização. 

Assim sendo, o contratante que realizou essa fraude ao contrato de trabalho pode ser responsabilizado na esfera criminal. O STJ já entendeu que “O acordo celebrado entre o denunciado e a empresa-vítima perante a Justiça do Trabalho não vincula a apreciação dos fatos pela jurisdição penal, haja vista a absoluta independência entre tais searas.”

Então, a prática da pejotização é considerada crime contra a organização do trabalho, de acordo com o artigo 203 do Código Penal, devendo ser julgada na Justiça do Trabalho, conforme determinou o STF. 

Logo, caso o trabalhador prejudicado apresente queixa à Justiça Criminal, o empregador responsável pode ser condenado à pena prevista nesse artigo, que seria detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Portanto, apesar da modalidade de pejotização ser bastante comum atualmente, não há qualquer espécie de tolerância a essa prática no ordenamento jurídico brasileiro, observando-se essas variadas possíveis responsabilizações ao contratante fraudulento.  

Como posso evitar futuros problemas devido a Pejotização? 

Vimos que a identificação do vínculo empregatício pode ensejar em condenações trabalhistas, cíveis e penais pela prática da pejotização. Então, confira aqui como evitar que haja esse enquadramento na sua empresa!

O primeiro passo para evitar eventuais problemas com a pejotização seria a revisão e a análise jurídica dos contratos, pois ela é essencial para prevenir a existências de vícios contratuais, em qualquer âmbito, que possam ocasionar a identificação de vínculo empregatício.

Assim, a revisão das cláusulas contratuais de um contrato de prestação de serviços ou de um contrato de terceirização é imprescindível para afastar qualquer relação própria de um vínculo de trabalho. 

Além disso, é preciso realizar um mapeamento de gaps na relação com prestadores de serviços e terceirizados, para não permitir que o vínculo com estes contratados possua as características essenciais para configurar o vínculo empregatício. 

Para realizar essa adequação contratual e esse compliance das relações com os contratados, é essencial o auxílio de uma assessoria jurídica, para atuar de forma preventiva e evitar eventuais prejuízos e condenações decorrentes da prática de pejotização. 

Chegamos ao final de mais um artigo! Ficou com alguma dúvida? A CHC Advocacia pode te ajudar nesse e em vários outros temas de seu interesse!

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