Em abril de 2019, foi publicada a Medida Provisória nº 881, cujo objetivo foi abrir o mercado nacional e aquecer a economia brasileira. Esta norma ficou conhecida como “MP da Liberdade Econômica”.
Tal normativo possui como princípios a presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas, a presunção de boa-fé do particular e a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado.
Em linhas gerais, a MP da Liberdade Econômica alterou pontos da legislação civil e empresarial, visando, dentre outros fins, atribuir maior força aos contratos e à autonomia patrimonial das empresas, além de ter conferido algumas vantagens aos pequenos empreendedores.
Curioso para compreender as inovações legislativas e os possíveis benefícios trazidos por essa norma ao seu negócio? Vamos destacar os oito pontos mais relevantes para o cenário comercial, acerca dos quais os empresários brasileiros certamente devem estar atentos.
1- O que mudou na desconsideração da personalidade jurídica?
O art. 7º da MPV 881/2019 alterou o art. 50 do Código Civil de 2002, que dispõe acerca do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Antes da medida provisória, o Poder Judiciário era autorizado a desconsiderar a personalidade jurídica de empresas, no âmbito de litígios empresariais, caso se constatasse confusão patrimonial ou desvio de finalidade.
No entanto, não havia um detalhamento na legislação sobre o que constituía, efetivamente, cada uma dessas hipóteses.
Assim, buscou-se, com o normativo, aprofundar as noções de confusão patrimonial e de desvio de finalidade.
De fato, no novo parágrafo 1º do art. 50 do CC/02, fica disposto que desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
A mera expansão ou a alteração do objeto social da pessoa jurídica não implica desvio de finalidade para fins de desconsideração da personalidade jurídica.
A título de ilustração, pode-se imaginar uma empresa do setor alimentício que, subitamente, passa a negociar o seu maquinário, em claro desvio de sua finalidade, e prejudicando seus credores por dilapidar seu patrimônio.
Confusão patrimonial, por sua vez, passou a ser conceituada como a ausência de separação verdadeira entre o patrimônio da sociedade e dos sócios, caracterizada pelo cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigação do sócio ou do administrador; pela transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante, ou pelos outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial, nos termos do parágrafo 2º do mesmo artigo acima citado.
Por exemplo, se uma empresa sempre paga, com seu patrimônio, as contas particulares de seus sócios, estará verificada a confusão patrimonial.
Por fim, pontua-se que a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos acima tratados não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
2-Mudanças no direito contratual com a MP da Liberdade Econômica
No Brasil, as relações contratuais são regidas pelo código civil, o qual prevê inúmeras normas que viabilizam a revisão estatal das cláusulas consideradas abusivas, o que se concretiza por meio do acionamento do poder judiciário.
Com efeito, sabe-se que boa parte das ações tramitando na justiça se referem a contratos descumpridos ou a contratantes que não possuem mais condições de adimplir com suas obrigações.
Buscando amenizar a insegurança que envolve as relações contratuais, a MP 881 alterou os arts. 421 e 423 do Código Civil de 2002 e criou os arts. 480-A e 480-B, do mesmo normativo.
O art. 421 passou a determinar a observância da chamada Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, presente no art. 3º da medida provisória, e que traz várias diretrizes de intervenção mínima na vontade das partes.
Além disso, no parágrafo único do dispositivo, foi prevista a intervenção mínima do Estado e a excepcionalidade da revisão contratual externa nas relações privadas.
Assim, buscou-se amenizar a interferência estatal nos contratos pactuados entre indivíduos, o que comumente ocorria no âmbito judicial, com o ajuizamento de ações revisionais.
No art. 423, foi determinado que, nos contratos que não sejam de adesão, a cláusula que gere dúvida será interpretada da forma mais benéfica à parte contratante que não a escreveu, salvo se houver disposição contrária em lei específica.
Os arts. 480-A e 480-B passaram a regular as relações interempresariais. O primeiro prevê a licitude de cláusulas que estipulem parâmetros objetivos para a interpretação de requisitos de revisão ou de resolução do pacto contratual.Já o segundo reforçou a presunção de simetria, ou seja, de paridade de forças, entre as empresas contratantes, e afirmou o dever de se observar a distribuição de riscos pactuada pelas partes.
3-A autonomia patrimonial da EIRELI
A EIRELI, ou empresa individual de responsabilidade limitada, já era entendida como uma nova espécie de pessoa jurídica, de natureza empresarial, com autonomia patrimonial absoluta, ou seja, com um patrimônio próprio, incomunicável com o patrimônio de seu titular, salvo nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.
Tal entendimento derivava do disposto no parágrafo 6º do art. 980-A, do CC/02, em que se apontava que as normas aplicáveis à EIRELI seriam aquelas destinadas a regular a Sociedade Limitada, no que se adequassem às peculiaridades desse novo modelo de pessoa jurídica.
Percebe-se, portanto, que, apesar da autonomia patrimonial absoluta da EIRELI ser amplamente acolhida pelos estudiosos do direito e pelos tribunais, esta decorria de uma interpretação da legislação, inexistindo um dispositivo legal específico que assegurasse isso.
Nesse contexto, a MP da Liberdade Econômica criou o parágrafo 7º no art. 980-A, o qual afasta quaisquer dúvidas acerca disso, e determina que somente o patrimônio da empresa responderá pelas dívidas da EIRELI, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de desconsideração da personalidade jurídica.
3-A Sociedade Limitada Unipessoal
No art. 1.052 do CC/02, regulamenta-se a Sociedade Limitada, um dos tipos societários mais comuns no cenário empresarial brasileiro, justamente por prever a autonomia patrimonial entre sócio e empresa.
Com o intuito de incentivar o empreendedorismo e de proteger o investidor, criou-se um parágrafo único para tal artigo, em que está prevista a Sociedade Limitada Unipessoal, isto é, com apenas um sócio.
A MP da Liberdade Econômica inova ao criar uma sociedade de um sócio só, o que pode parecer contraditório em um primeiro momento, já que até este momento apenas existiam sociedades dessa espécie com mais de um sócio.
No entanto, tal figura jurídica incentiva o surgimento de novas empresas principalmente por dois motivos: 1) cria um meio de se empreender individualmente protegendo o patrimônio pessoal e 2) não exige quantia pré-determinada para a constituição do capital social, ao contrário da EIRELI, que deve possuir capital social acima de 100 salários mínimos para ser registrada.
4- O Fundo de Investimento
A MP 881 criou, também, os artigos 1368-C, 1368-D e 1368-E do CC/02, que tratam das regras gerais dos Fundos de Investimento, podendo estes serem conceituados como uma comunhão de recursos, constituídos sob a forma de condomínios, e destinados à aplicação em ativos financeiros.
O funcionamento dos fundos de investimento será disciplinado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e poderá estabelecer a limitação da responsabilidade de cada condômino ao valor de suas cotas, bem como autorizar a limitação da responsabilidade dos prestadores de serviços fiduciários, perante o condomínio e entre si, ao cumprimento dos deveres particulares de cada um, sem solidariedade.
O novo art. 1368-E determina, ainda, que, caso os condôminos de fundo com responsabilidade ilimitada decidam instituir a limitação de suas obrigações ao patrimônio já investido, isso não abrangerá os deveres assumidos antes da mudança.
5-Facilitação de acesso ao mercado de capitais
Dentre as alterações oriundas da medida provisória, tem-se a facilitação da abertura do capital de pequenas e médias empresas constituídas sob o tipo societário de Sociedade Anônima.
Prevê o art. 294-A que a CVM poderá dispensar algumas exigências previstas na lei 6404/76 para o acesso de companhias consideradas de pequeno e médio porte ao mercado de capitais, por meio de regulamento que as especifique.
Tal facilitação visa a atrair investidores e alavancar o crescimento das empresas nacionais, dado que, em regra, após a abertura de capital, há um aporte pecuniário significativo nas contas da sociedade, a qual passa a ter meios para expandir seus negócios, seja abrindo novas lojas, seja aprimorando suas tecnologias.
6-Mudanças na extensão dos efeitos da falência
A lei 11.101/05, apesar de ser recente e de ter representado uma grande inovação no direito recuperacional e falimentar brasileiro, também foi alterada, especificamente com a criação do art. 82-A.
Esse dispositivo afirma que a extensão dos efeitos da falência de uma empresa para seus sócios, administradores ou para outras empresas somente será admitida quando estiverem presentes os requisitos da desconsideração da personalidade jurídica.
Nesse sentido, o sócio com responsabilidade ilimitada e o administrador só serão considerados falidos juntamente com a sociedade, caso se constate uma das hipóteses acima listadas para a desconsideração da personalidade jurídica, quais sejam: desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Assim, protege-se o empresariado nacional, afastando do cenário comercial apenas aqueles investidores e gestores que atuem de forma ilícita, evitando punir aqueles meramente ineficientes.
7-Enquadramento como atividade de baixo risco
Na lei 11.598/2007, criou-se a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios, ou REDESIM, com a finalidade de propor ações e normas que simplifiquem o procedimento de registro de empresas para seus integrantes.
Tal entidade, que deve necessariamente contar com a presença dos órgãos federais, trouxe inovações como a busca pela integração dentre os diversos processos de registro de empresas e o dever de ofertar informações na internet com manuais para os empresários que buscam regularizar seus empreendimentos, o que por certo contribuiria para o desenvolvimento da atividade comercial no país.
Nessa perspectiva, incluiu-se, por meio da MP da Liberdade Econômica, o parágrafo 5º no art. 4º da referida lei, o qual prevê que o Poder Executivo deverá elaborar uma classificação das atividades de baixo risco, válida para todos os integrantes da Redesim.
Assim, caso de adequem a uma das classificações, os empresários necessitarão, apenas, apresentar uma autodeclaração, atestando que exercem atividade de baixo risco para serem enquadrados.
As vantagens de exercer esse tipo de atividade estão previstas no inciso I, do art. 3º da medida provisória da liberdade econômica. Tal dispositivo assevera que é direito de toda pessoa natural desenvolver, para sustento próprio ou de sua família, atividade econômica de baixo risco, valendo-se exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de atos públicos de liberação da atividade econômica.
Logo, percebe-se, de imediato, que quem exerce atividades classificadas como de baixo risco terá que enfrentar menos burocracia para a regularização de seu empreendimento, por exemplo passando por menos dificuldade ao tentar conseguir alvarás de funcionamento e outros documentos semelhantes.
A Importância de uma boa assessoria jurídica
Como exposto, a Medida Provisória da Liberdade Econômica, MP 881, inovou em diversas matérias de significativa importância para o cenário empresarial brasileiro, alterando normas relativas a contratos comerciais, falência, mercados de capitais, registro na Junta Comercial, dentre outros.
Um bom escritório de advocacia pode contribuir para que os empreendedores consigam aproveitar ao máximo as novidades e facilidades criadas pela medida provisória, cortando custos e ampliando sua presença no mercado.
Pode, também, ajudar a auxiliar sua empresa a se adequar aos novos regramentos, evitando sanções estatais pela falta de compatibilidade com a lei.
Caso tenha ficado alguma dúvida sobre as mudanças trazidas pela Medida Provisória da Liberdade Econômica, entre em contato conosco!
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