O Código de Processo Civil de 2015 ganhou ainda mais relevância para o Direito Empresarial ao trazer a normatização da ação de dissolução de sociedade de forma parcial, pontuando, a saber: o seu objeto, quem pode propor a ação, bem como, demais assuntos que tangem ao seu processamento. Vale lembrar que outro tema do Direito Empresarial que foi regulado pelo Novo CPC, a Desconsideração da Personalidade Jurídica, já foi explanado em post do nosso escritório (que você pode ler aqui).
Interessante mencionarmos que a ansiedade gerada pelo aguardo do Novo Código de Processo Civil teve vez pela ausência desse assunto no então vigente CPC de 1973, visto que foi somente em 2003, com a então entrada em vigor do nosso atual Código Civil, que houve a criação do instituto de “resolução da sociedade em relação a um sócio”.
Processualmente, a dissolução era tratada pelo Decreto-lei 1.608/39, o qual versava, tão somente, sobre a hipótese de dissolução “total” das sociedades, ou seja, a perda de todos os elos entre os sócios, com o consequente desaparecimento, em definitivo, da pessoa jurídica.
Isto quer dizer que, sem norma processual específica, após o advento do Código Civil de 2002, até março de 2016, as ações que visavam a dissolução das sociedades de forma parcial eram fundamentadas apenas naquelas leis materiais, e regidas, processualmente, no que lhe cabia, pelo então Decreto-lei 1.608/39, em razão da expressa ressalva contida no art. 1.218, VII, do CPC/73, “continuam em vigor até serem incorporados nas leis especiais os procedimentos regulados pelo Decreto-Lei 1.608, de 18 de setembro de 1939, concernentes: VII – à dissolução e liquidação das sociedades (arts. 655 a 674)”, sendo-lhes aplicada a lei material, e coube à doutrina comercial das últimas décadas dar subsídios às nossas jurisprudências.
Percebe-se, portanto, que as normais processuais então aplicadas, além de não serem específicas ao caso das dissoluções parciais, foram delineadas há mais de 76 anos, e não mais se mostravam apropriadas diante da dinamicidade das relações societárias das últimas décadas.
Em virtude dessas considerações, apresentamos, em linhas gerais, as principais – e polêmicas – inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, notadamente no que se refere à ação de dissolução de sociedade de forma parcial.
Inicialmente, devemos lembrar que o instituto de dissolução parcial é utilizado quando um ou mais sócios retiram-se da sociedade, seja por razões do seu falecimento, seja pelo exercício do seu direito de retirada ou de recesso, ou quando dela são excluídos, fazendo com que venham a ser cessados os elos societários então existentes, mas tão somente em relação a estes.
1. DO QUE TRATA A AÇÃO? A ação de dissolução de sociedade de forma parcial pode versar sobre (art. 599, NCPC):
A resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso. | A apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso. | Somente a resolução ou a apuração de haveres. |
Vale notar que o Novo Código de Processo Civil, atento às dinâmicas societárias, trouxe a possibilidade de ser objeto da ação unicamente a resolução da sociedade ou a apuração de haveres, facilitando o fim de disputas. Ora, não é despiciendo observarmos que os sócios podem discordar da avaliação da sociedade, concordando, contudo, diante da existência de um acordo já existente, sobre a dissolução da sociedade, ou vice-versa.
2. QUEM PODE PROPOR?
2.1. ESPÓLIO DO SÓCIO FALECIDO (Art. 600, I, NCPC). No caso em que a totalidade dos sucessores do sócio falecido opte por não entrar na sociedade, ou quando os sócios sobreviventes deliberam contra a entrada de todos os sucessores no quadro social, quando autorizado pelo contrato social (nas sociedades “de pessoas”), certo é que o espólio terá o direito de solicitar a dissolução parcial/apuração de haveres, ainda que extrajudicialmente.
Devemos lembrar que, nos casos de falecimento, é do espólio a titularidade das quotas sociais, sendo devida a alteração do contrato social para adequar-se a tal realidade. Portanto, quando nem todos os sucessores optarem pelo desfazimento do vínculo societário, o espólio não estará legitimado para a ação de dissolução.
De outra forma, na hipótese de interesse de todos os sucessores na dissolução da sociedade, no caso dos sócios sobreviventes se recusarem a dissolvê-la parcialmente, ou ainda, na situação em que o espólio venha a discordar do valor atribuído à participação societária titulada pelo falecido elaborada pelos sócios remanescentes, tem-se a legitimidade ativa do espólio do sócio falecido para propor a ação.
2.2. SUCESSORES DO SÓCIO FALECIDO (Art. 600, II, NCPC). A legitimidade ativa individual dos sucessores do sócio falecido somente se torna possível quando concluída a partilha do sócio falecido, e, por conseguinte, findo o espólio. Isto porque, realizada a partilha, o espólio deixa de constar na sociedade, tornando possível o ingresso dos sucessores na empresa. Neste momento, cada sucessor possui legitimidade para discutir seu direito referente à respectiva quota social.
2.3. SOCIEDADE (Art. 600, III e V, NCPC). O Novo Código de Processo Civil trouxe legitimidade à Sociedade e não aos sócios, inovando em relação ao Código Civil, que textualmente legitima os sócios ao falar em “iniciativa da maioria dos demais sócios”. A sociedade só está legitimada à ação de sua própria dissolução no caso de exclusão de sócio que não possa ser efetivada por meio de assembleia ou reunião.
2.4. CÔNJUGE OU COMPANHEIRO (Art. 600, parágrafo único, NCPC). O “cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união estável ou convivência terminou poderá requerer a apuração de seus haveres na sociedade, que serão pagos à conta da quota social titulada por este sócio”.
Vislumbra-se que a apuração de haveres pode ocorrer sem que tenha havido a dissolução da sociedade, legitimando terceiro não sócio, e não sucessor de sócio.
2.5. SÓCIO QUE EXERCEU SEU DIREITO DE RETIRADA OU RECESSO (ART. 600, IV, NCPC)
Também há legitimidade ativa nos casos em que o sócio, após ter exercido o seu direito de retirada ou recesso, vê-se diante da inércia dos sócios remanescentes em providenciarem a devida alteração consensual do contrato social, formalizando o desligamento daquele dentro de 10 (dez) dias após o exercício de direito.
Percebe-se claramente que a lei, ao legitimar àquele sócio tão somente após frustrada tentativa extrajudicial, visa mitigar o acesso sem causa real ao judiciário.
2.6. SÓCIO EXCLUÍDO (ART. 600, VI, NCPC)
Não se pode perder de vista, ainda, a legitimação do sócio excluído para debater sua própria exclusão, oportunizando-lhe a obtenção do seu direito de reingresso à sociedade.
Já nos casos em que o sócio excluído concorde com o seu afastamento, atribui-se legitimidade ativa para possibilitar que aquele pleiteie a correta avaliação do valor patrimonial das quotas realizada pela sociedade no momento de sua exclusão.
3. COMO SE DÁ A DEFESA? Os sócios e a sociedade serão citados para, no prazo de 15 (quinze) dias, concordar com o pedido ou apresentar contestação.
4. QUEM DEVE RESPONDER? Um ponto polêmico é a expressa previsão de que a sociedade – no que pese ser a pessoa que sofrerá as consequências da decisão judicial – não precisará ser citada, se todos os seus sócios assim o forem (Parágrafo único do Art. 601 NCPC), indo o legislador de forma contrária à doutrina majoritária, que entende que deverá o polo passivo ser composto de litisconsórcio necessário.
5. COMO SE PROCESSA? Para que seja definido o tipo de processamento da ação de dissolução parcial, deverão ser observadas duas hipóteses: a) se houve a concordância expressa e unânime do(s) réu(s), opção em que não há divergências, ou; b) na hipótese de resistência de um deles, por meio da apresentação de contestação.
Na ocasião de não haver divergências, o processamento se dará na forma especial, que tem por essência a liquidação ou apuração de haveres, e os demandados não serão condenados nos honorários sucumbenciais. (Art. 603, parágrafo primeiro, do NCPC)
Em havendo contestação, o juiz deverá observar o procedimento comum. Se a decisão judicial for favorável à dissolução, a liquidação da sentença, para fins de apuração de haveres, seguirá a forma especial disposta no Capítulo V do NCPC.
6. A APURAÇÃO DE HAVERES. Determina o Art. 604 do NCPC, que os haveres deverão ser apurados segundo os critérios constantes no contrato social. Mas é importante frisar que, nos casos em que o contrato social for omisso, o juiz definirá, como critério de apuração, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.
O critério de apuração pode ser revisto pelo juiz, a pedido da parte, a qualquer tempo, desde que antes do início da perícia. (art. 607 do NCPC)
Como visto, apesar da grande revolução trazida pelo Novo CPC, preenchendo lacuna existente em nosso ordenamento e garantindo importante instrumento ao direito societário, observamos que alguns pontos restaram-se omissos e, por vezes, contraditórios.
Por certo, o aperfeiçoamento do texto legal caberá à doutrina e à jurisprudência, as quais atenderão às necessidades invocadas no dia a dia forense, mas desde já os pilares do processo de dissolução de sociedade de forma parcial estão firmados, trazendo maior segurança às empresas e empresários.
Foto: kenteegardin via Visual hunt / CC BY-SA