O cenário tributário brasileiro é notoriamente complexo, com uma miríade de leis, regulamentos e interpretações que frequentemente desafiam até mesmo os profissionais mais experientes.
Como em qualquer outro ramo comercial, bares e restaurantes também são vítimas desse sistema, de modo que, em vários casos, acabam pagando mais tributos do que o efetivamente devido, ocasionando diminuição na margem de lucro e afetação no fluxo de caixa.
Esse pagamento maior pode ocorrer em relação aos valores de gorjetas e aos 10% referentes às taxas de serviços, isto porque, é possível que esses valores sejam excluídos da base de cálculo que apura os impostos a pagar, resultando na diminuição de pagamentos futuros e recuperação de valores já pagos em patamar maior que o devido.
O direito à diminuição da base de cálculo, pode ser buscado, desde que atendidos certos requisitos, por bares e restaurantes optantes pelo regime tributário do lucro presumido ou por optantes do simples nacional.
No artigo de hoje, vamos esclarecer quais são os requisitos para poder aproveitar essa alternativa, e também explicar as diferenciações que precisam ser observadas, a depender do regime tributário adotado pela empresa.
Primeiro, para construir o passo a passo, abordaremos como a lei regula as questões das gorjetas e das taxas de serviços.
As gorjetas e taxa de 10% dos serviços: regulações legais.
A gorjeta, tradicionalmente vista como uma manifestação de gratidão do cliente pelo serviço prestado, transcende sua natureza de mera gratificação para se tornar um componente essencial da remuneração de muitos trabalhadores do setor.
Ao mesmo tempo, sua posição única no fluxo financeiro das empresas – não sendo nem inteiramente receita do estabelecimento, nem exclusivamente salário do empregado – criou um verdadeiro quebra-cabeça tributário, desafiando as categorizações convencionais.
A aprovação da Lei nº 13.419/2017, conhecida como a “Lei da Gorjeta”, representou um marco importante ao estabelecer diretrizes mais claras sobre o tratamento das gorjetas.
No entanto, como é comum no intrincado sistema jurídico brasileiro, a implementação prática dessas diretrizes tem se mostrado um desafio, especialmente no que diz respeito à sua interação com o sistema tributário.
Do ponto de vista trabalhista, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é clara ao incluir as gorjetas na remuneração do empregado.
O artigo 457 da CLT estabelece que “Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.”
Esta disposição legal reconhece a gorjeta como parte integrante da remuneração do trabalhador, conferindo-lhe proteção legal e implicações nas demais verbas trabalhistas.
No entanto, a natureza da gorjeta se torna mais complexa quando examinada sob a ótica tributária. Embora seja parte da remuneração do empregado, a gorjeta não é paga diretamente pelo empregador, mas sim pelos clientes do estabelecimento.
Esta peculiaridade levanta questões sobre se a gorjeta deve ser considerada como parte do faturamento ou receita bruta da empresa para fins de tributação.
A jurisprudência, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem se inclinado para o entendimento de que as gorjetas, especialmente as compulsórias, não constituem receita própria dos empregadores.
Este posicionamento baseia-se na premissa de que, se os valores de gorjetas e taxa de 10% são convertidos integralmente aos empregados, o estabelecimento atua meramente como intermediário no repasse desses valores aos empregados, não devendo, portanto, ser tributado sobre eles.
Contudo, conforme veremos a seguir, a aplicação desse entendimento como meio de viabilizar economia no pagamento de tributos pela empresa não é estendido para todos os tipos de regimes tributários. Caso você esteja interessado em saber mais sobre os tipos de regimes tributários, basta conferir clicando aqui quais os principais tipos e como escolher o ideal.
A Evolução Legislativa: Da Incerteza à Tentativa de Clarificação
A Lei nº 13.419/2017, conhecida como a “Lei da Gorjeta”, como visto, representou um marco relevante para impedir que as empresas continuem sofrendo com tributação em relação a valores que, ao fim, sequer serão seus.
Entre suas principais disposições, a lei estabeleceu que “a gorjeta não constitui receita própria dos empregadores, destina-se aos trabalhadores e será distribuída segundo critérios de custeio e de rateio definidos em convenção ou acordo coletivo de trabalho.”
Esta definição legal foi um passo importante para dirimir dúvidas sobre a natureza das gorjetas. Ao afirmar explicitamente que as gorjetas não constituem receita própria dos empregadores, a lei forneceu uma base mais sólida para argumentar contra a inclusão desses valores na base de cálculo de tributos incidentes sobre o faturamento ou receita bruta das empresas.
No entanto, como é comum no complexo sistema jurídico brasileiro, a implementação prática dessa disposição não foi imediata nem uniforme. Diferentes interpretações por parte dos órgãos fiscalizadores e divergências jurisprudenciais continuaram a criar um ambiente de insegurança jurídica para empresários e trabalhadores do setor.
O Posicionamento do Fisco e as Recentes Mudanças
A postura da Receita Federal do Brasil em relação à tributação das gorjetas tem sido historicamente conservadora, tendendo a incluir esses valores na base de cálculo de tributos federais como o PIS, COFINS, IRPJ e CSLL.
Esta abordagem baseava-se na interpretação de que, uma vez que as gorjetas transitavam pelas contas das empresas, deveriam ser consideradas parte de seu faturamento ou receita bruta.
No entanto, recentes desenvolvimentos têm sinalizado uma mudança nesse cenário. Um marco significativo foi a publicação do Parecer SEI nº 129/2024/MF pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Este parecer, alinhando-se com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, reconheceu a natureza salarial das gorjetas e, consequentemente, sua não inclusão na base de cálculo de tributos federais.
O parecer da PGFN é particularmente relevante por sua abrangência, abordando não apenas o PIS e a COFINS, mas também o IRPJ e a CSLL. Ao reconhecer que as gorjetas não constituem faturamento ou lucro das empresas, o parecer abre caminho para uma significativa desoneração tributária no setor. Porém, esse reconhecimento ficou restrito aos bares e restaurantes que sejam optantes do regime tributário do lucro presumido.
Assim, os bares e restaurantes, optantes do lucro presumido, devem revisar os informes de receitas apresentadas para tributação dos últimos 60 meses (5 anos) e apresentar os pedidos de restituição administrativa pelo recolhimento a maior, caso os valores das gorjetas e taxas de 10%, repassadas aos funcionários, tenham sido incluídos na composição da receita bruta no recolhimento dos tributos federais.
Os bares e restaurantes, optantes do simples nacional, também podem buscar o reconhecimento desse direito, mas precisarão seguir um procedimento diferente.
Implicações Práticas para o Setor: requisitos e verificação do regime de tributação
Como vimos, para os bares e restaurantes, a possibilidade de excluir as gorjetas da base de cálculo de tributos federais representa uma potencial redução na carga tributária, o que pode ter um impacto positivo em suas margens de lucro.
No entanto, é importante destacar que essa exclusão não é automática nem universal. As empresas precisam estar atentas aos requisitos específicos estabelecidos pela legislação.
Um dos principais requisitos é que os valores recolhidos pela taxa de serviço de 10% ou gorjetas sejam efetivamente repassados aos empregados. Assim, estará presente o requisito legal no sentido de que a empresa atua como uma espécie de intermediadora entre o cliente e o empregado.
Um ponto que merece atenção especial é o tratamento diferenciado dado às empresas optantes pelo Simples Nacional. Enquanto as recentes mudanças beneficiam principalmente empresas no regime de lucro presumido, as empresas do Simples Nacional ainda enfrentam um cenário menos claro.
Isso ocorre porque, embora a Justiça já tenha decisões favoráveis reconhecendo o direito à exclusão desses valores das receitas apresentadas para tributação no PGDAS, a Receita Federal ainda entende que esses valores devem ser considerados nas receitas.
Por isso, para garantir o reconhecimento desse direito, é importante que os bares e restaurantes optantes do Simples Nacional busquem um advogado tributarista especializado, com o intuito de conseguir a declaração do seu direito na Justiça e, assim, garantir a diminuição dos tributos, afastando o risco de autuações indevidas.
Desafios e Perspectivas Futuras
Um dos desafios associados ao direito de retirada das taxas de serviços e gorjetas é a implementação prática dessas mudanças. Muitas empresas podem enfrentar dificuldades em adaptar seus sistemas contábeis e fiscais para segregar adequadamente os valores das gorjetas e comprovar seu repasse aos empregados.
Para lidar adequadamente com essas questões, garantindo o direito de ressarcimento dos últimos cinco anos e ajustes nos procedimentos para evitar cobranças indevidas futuras, uma consultoria tributária é o grande aliado do empresário, inclusive como meio de evitar questionamentos ou interpretações divergentes pelas autoridades fiscais.
Além dos tributos federais: o caso específico do ICMS
Enquanto a discussão sobre tributos federais tem avançado significativamente, é importante não perder de vista a questão do ICMS, um imposto estadual que também pode incidir sobre as operações de bares, restaurantes e estabelecimentos similares.
Um passo relevante para garantir o direito do setor é o Convênio ICMS 125/11, aderido por vários Estados, no qual há regulamentação sobre a autorização da exclusão da gorjeta e das taxas de serviço da base de cálculo do ICMS incidente no fornecimento de alimentação e bebidas por estabelecimentos do setor.
Para verificar a possibilidade de aproveitamento desse benefício, além de levantar os registros internos relativos ao pagamento do ICMS, é preciso observar a legislação do Estado em que o estabelecimento está instalado, para analisar se essa exclusão foi aderida e se há algum limite para aproveitamento, por exemplo, impedindo a exclusão em percentual superior a 10%.
Essa medida de precaução, viabilizada através de uma Consultoria Tributária é importante porque, dada a natureza do ICMS como imposto estadual, pode haver variações significativas no tratamento desse tema entre diferentes unidades da federação.
A evolução do tratamento tributário das taxas no Brasil reflete a complexidade e dinamismo do sistema tributário nacional. De um cenário de incerteza e interpretações divergentes, caminhamos para um ambiente de maior clareza e alinhamento com a natureza específica das gorjetas como componente da remuneração dos trabalhadores.
As recentes mudanças, legais e jurisprudenciais, representam um avanço significativo na direção de um tratamento mais justo e coerente. Ao reconhecer que esses valores não constituem receita própria dos bares e restaurantes, essas orientações alinham-se com a realidade econômica do setor, representando um possível ganho econômico originado pela restituição dos últimos 60 meses em que a cobrança indevida ocorreu e ajustes para os futuros recolhimentos.
A recuperação pode ser buscada pela via administrativa ou judicial. A definição da melhor alternativa para a empresa dependerá do regime da empresa e das circunstâncias próprias de cada tipo de atividade. Assim, cada caso demanda uma análise específica.
Na via administrativa, a recuperação pode ser realizada por meio da correção de registros fiscais e da abertura de procedimentos junto aos órgãos fiscais responsáveis, permitindo que a empresa recupere os créditos dos últimos 5 anos e também corrija as futuras apurações, representando um ganho duplo, incidente tanto no passado quanto no futuro.
Se for judicial, o ganho também poderá ser aproveitado tanto no passado quanto no futuro, seja por meio da restituição ou da compensação, o que igualmente proporcionará um alívio no caixa da empresa.
Para os empresários do setor de alimentação e hospitalidade, optantes pelo lucro presumido e pelo Simples Nacional, este é um momento que exige atenção e proatividade. É fundamental estar atualizado sobre as mudanças legislativas e administrativas, buscar orientação jurídica especializada de um advogado tributarista e adaptar os processos internos para garantir o correto tratamento dos valores, por meio de uma eficiente revisão fiscal.
Chegamos ao fim dessa jornada de conhecimento. Você ficou com alguma dúvida? A CHC Advocacia, que conta com longa experiência na defesa dos interesses dos contribuintes e em procedimentos de revisão fiscal, pode esclarecer esse e vários outros temas.
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